17 abril 2024

Há uma omissão imperdoável na biografia que Richard Evans fez de Eric Hobsbawm


Por incrível que pareça, Richard J. Evans, um dos mais proeminentes e prolíficos historiadores deste século, não entendeu a proposta historiográfica que transformou Hobsbawm não apenas no mais conhecido e duradouro representante da magnífica historiografia marxista inglesa como, também, no historiador mais popular do século XX.

O trabalho monumental de Evans (Eric Hobsbawm: A Life in Historycertamente é hoje a fonte mais rica existente sobre os arquivos deixados por Hobsbawm, incluindo informações privilegiadas de seus diários e mesmo da correspondência privada. Mas, quando "documentos falam por si", é sinal de que faltou ao biógrafo algo mais. Há tanta minúcia, tanta conversa anedótica ou de alcova e tanta descrição enfadonha sobre acontecimentos pouco relevantes que Evans se esqueceu do essencial: explicar o que transformou Hobsbawm nesse colosso historiográfico.

O livro de Evans adotou o esquema mais tradicional e “évènementiel” possível, algo que certamente não faz jus ao legado historiográfico do biografado. Na biografia, a infância de Hobsbawm é o primeiro capítulo (“The English Boy, 1917–1933”). Depois vem, nada surpreendentemente, a adolescência. Em seguida, um capítulo sobre o início da vida adulta, já no mundo acadêmico, e assim por diante. Os outros capítulos seguem a mesma sequência cronológica linear: de 1946–1954, 1954–1962, 1962–1975, 1975–1987, 1987–1999 e 1999–2012.
 


Evans tratou Hobsbawm
(foto) como uma celebridade da cultura pop, e não como um historiador que ganhou essa proeminência na cultura pop por alguma razão, o que restou mal explicado. Talvez a ideia fosse essa mesma, para atrair mais leitores interessados em conhecer a celebridade que era historiador do que o historiador que se tornou tão célebre. 

De todo modo, Evans deixou Hobsbawm de cabeça para baixo. 
 
Há também uma omissão imperdoável. Como revelo na resenha deste livro, recém publicada, Evans inexplicavelmente negligenciou um dos mais importantes projetos intelectuais de Hobsbawm, a História do Marxismo. De 1978 a 1982, a História do Marxismo reuniu centenas de artigos e autores dos mais diversos países, mas o biógrafo nem sequer cita esse projeto nem a coleção que envolveu alguns dos maiores expoentes marxistas à época, como Georges Haupt, Franz Marek, István Mészáros, Ernesto Ragionieri (um intelectual muito próximo de Palmiro Togliatti, líder indiscutível do PCI após a Segunda Guerra Mundial), entre muitos outros." 

Difícil entender essa lacuna. A explicação mais provável, se é que há alguma, é que essa obra foi publicada primeiramente na Itália, pela editora Einaudi. Só posteriormente foi traduzida para vários idiomas. Inclusive, a primeira edição em inglês foi feita nos Estados Unidos, e não no Reino Unido. Mas é incrível como isso passou despercebido de Evans, pois há certamente uma correspondência pessoal nos arquivos de Hobsbawm a esse respeito. E o livro está lá, na estante deixada por ele. Como algo dessa magnitude fugiu do radar do biógrafo?


A História do Marxismo é tão importante que Hobsbawm foi seu editor e passou meia década de intenso trabalho dedicado a essa coleção que, ao final, alcançou mais de quatro mil páginas. Mais importante, a obra registrava mais uma vez um aspecto essencial ao projeto historiográfico de Hobsbawm: apresentar um painel abrangente da diversidade de teorias, concepções e vertentes do marxismo. Hobsbawm estava mais uma vez travando sua luta para mostrar o quanto a trajetória política e intelectual do marxismo não se limitava ao marxismo vulgar.

Faltou a Evans, em sua biografia, olhar o essencial.

Leia mais e, se interessar, cite:

Lassance, A. (2024). Book Review: Eric Hobsbawm: A Life in History. Review of Radical Political Economics, 12 April 2024. Avaiable at: https://doi.org/10.1177/04866134241244838 

LASSANCE, Antonio. Eric Hobsbawm: a life in history (resenha). Review of Radical Political Economics, 12 abril 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1177/04866134241244838  







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09 abril 2024

Por que leva tanto tempo para que uma evidência científica seja aceita e se transforme em política pública?

Se uma evidência é de tal forma robusta, por que muitas vezes leva tanto tempo para que o Estado e o mercado a adotem em suas práticas? 
Para encontrar respostas a esse que é um problema típico das mais diversas políticas públicas, selecionamos um caso clássico e significativo capaz de reunir as variáveis-chave de análise: o experimento de James Lind para a cura do escorbuto, no século XVIII. 
Lind sistematizou seu experimento e o publicou no livro Um Tratado sobre o Escorbuto (A Treatise of the Scurvy – Lind, 1753). No entanto, a evidência só foi adotada como regra 42 anos depois (1795) e, ainda assim, de modo restrito à marinha de guerra britânica. A marinha mercante não o faria a não ser depois de mais de um século, em 1865. A pergunta que paira é: por quê?
Submetemos o caso a tratamento pela metodologia de experimentos naturais em história. A principal conclusão é que a evidência, por si só, é um elemento importante, mas frágil diante de fatores político-institucionais adversos e quando a própria autoridade científica (ou “sistema perito”) é fonte de ambiguidades em sua aplicação. O custo e, mais ainda, a logística de implementação se mostram também elementos decisivos para uma solução viável e rápida. Palavras-chave: políticas públicas baseadas em evidências; escorbuto; experimentos naturais em história; metodologia científica

Para citar:
LASSANCE, Antonio. A Longa Jornada da Evidência: a batalha contra o escorbuto. Boletim de Análise Político-Institucional: governança e cultura do uso de evidências no Brasil : experiências, desafios e temas emergentes. Rio de Janeiro: Ipea ; Brasília, DF: Cepal, n. 37, mar. 2024, p. 107-117. ISSN 2237-6208. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/13474/11/BAPI_37_Artigo_9.pdf   















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19 fevereiro 2024

Apresentação em slides: tudo o que você queria saber e tinha vergonha de perguntar

Este tutorial foi feito para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, mas tem dicas que podem ser interessantes a você para saber o que fazer, como fazer e o que evitar.



 

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